Olho vivo, faro fino | 18 de fevereiro de 2011 - 14:24

Ana Teodoro, a Mãe do Bispo!

Quem nunca ouviu a expressão “Vai se queixar com a mãe do Bispo!”? Essa expressão perdurou por vários anos, mas precisamente, por vários séculos pela cidade do Rio de Janeiro dos séculos XVIII, XIX e XX. Ainda na década de 1970, quando eu era adolescente, cheguei a ouvir essa expressão em casa. Minha avó, Laura Amaral (1900/1977), sempre a usava.

Mas por que o povo cunhou a expressão no início do século XVIII? Realmente existiu uma mãe do Bispo? Quem era essa pessoa? Quem foi esse Bispo?

A história verdadeira sobre essa mulher, tão importante em sua época, começou exatamente no ano de 1731, quando a senhora Ana Teodoro Ramos de Mascarenhas se mudou para um casarão situado onde hoje é a Cinelândia. Neste mesmo local, a Cinelândia de hoje, também situava o Convento de Nossa Senhora da Conceição da Ajuda, fundado em 1750, na confluência das ruas Evaristo da Veiga e 13 de Maio. Quase em frente ao Convento ficava o Seminário São José, fundado em 1739, nas encostas do Morro do Castelo, onde hoje se encontra a Biblioteca Nacional.

Conta uma lenda urbana, carioca, que os escravos construíram um túnel ligando o Convento (onde estudavam as futuras freiras) e o Seminário (onde estudavam os futuros padres). Construído em 1906, o Palácio Monroe foi demolido em 1976 para as obras do metrô carioca. Reza a lenda que na construção do metrô esse túnel fora descoberto, mas os órgãos competentes nunca confirmaram a estória, não se sabe se por pressão da Igreja ou se é apenas mais uma lenda urbana.

Voltando à Ana Teodoro, o casarão em que residiu entre os anos de 1731 e 1805 ficou conhecido como “Casa da Mãe do Bispo” e era muito procurado devido ao prestígio que a proprietária possuía junto à população, chegando até a exercer a função de juíza em vários tipos de pendências e desentendimentos. Deste modo cunhou-se na época a expressão “Vá se queixar à mãe do bispo”.

E porque Mãe do Bispo? Porque ela era mãe do Bispo da Igreja Católica da época, o senhor José Joaquim Justino Mascarenhas Castelo Branco, que ela, com sua grande influência política, conseguiu fazê-lo Bispo do Rio de Janeiro.

Após a demolição do Seminário, dando lugar à Biblioteca Nacional e diversos edifícios no lugar do Convento. A “Casa da Mãe do Bispo” foi demolida dando lugar ao “Largo da Mãe do Bispo”, em homenagem a ela, que já havia falecido no início do século XIX. Logo após a Proclamação da República o “Largo da Mãe do Bispo” foi renomeado para “Praça Floriano”, que é o verdadeiro nome da Cinelândia. Ambos, a Cinelândia e a Praça Floriano são considerados pontos emblemáticos do Rio de Janeiro como referência histórica-arquitetônica da cidade.

Quanto ao nome Cinelândia, esse só surgiu bem mais tarde, na década de 1910, quando o espanhol naturalizado brasileiro Francisco Serrador Corbonell inaugurou no Rio de Janeiro a “Companhia Cinematographica Brazileira” e na década seguinte, consumou seus empreendimentos na cidade com os edifícios Capitólio e Glória (1925), Odeon e Império (1926) dotados de cinemas suntuosos, lojas, cafés, confeitarias, restaurantes e até rinques de patinação, criando na cidade a “Cinelândia”, considerada a “Broadway Brasileira”.

Mas Ana Teodoro não seria esquecida de todo e ganharia na década de 1980 uma singela homenagem, desta vez pelo decorador paulista Júlio Senna. Radicado no Rio de Janeiro, e morador da Urca, Júlio Senna nomeou o platô natural, onde morava, situado na Pedra da Urca, de “Largo da Mãe do Bispo”. Em 1989 o jornalista e crítico musical Ricardo Cravo Albin adquiriu o imóvel e manteve o nome. No ano de 2001 o “Largo da Mãe do Bispo” foi incorporado ao recém-criado Instituto Cultural Cravo Albin e passou a receber diversos eventos musicais.

Vale lembrar que o referido platô também é um local emblemático para a história da cidade. Neste local existiu uma tribo tupi que chamava de “pau-nd-açuquã” (tradução: morro isolado e pontudo), a grande pedra que em português ganhou o nome de Pão de Açúcar. Bem próximo dali, também na Urca, no Morro Cara de Cão, o Governador-Geral do Brasil (entre 1558/1572) Mem de Sá e seu primo (ou sobrinho, há controvérsias) Estácio de Sá fundaram a Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, expulsando os franceses encastelados no Outeiro da Glória e comandados por Nicolas Durand de Villegaignon. Mas essa já é uma outra estória.


Referências bibliográficas sobre o assunto:

ALBIN, Ricardo Cravo. Um olhar sobre o Rio: crônicas indignadas e amorosas – anos 90. São Paulo: Editora Globo, 1999.
AMARAL, Euclides. Alguns Aspectos da MPB. Rio de Janeiro: Edição do Autor, 2008. 2ª ed. Esteio Editora, 2010.
MARANHÃO, Ricardo. Cinelândia – Retorno ao fascínio do passado (Colaboração: Eliane Wasinger Lustosa Brasil). Rio de Janeiro: Letra Capital Editora, 2ª edição, 2003.
MINEIRO, Procópio. “A Guerra do Cabo Frio”. In O Prelo – Revista de Cultura da Imprensa Oficial e Órgão do Conselho Estadual de Cultura do Rio de Janeiro. Ano VIII nº 23 maio/junho/julho, pp. 20-24. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 2010.


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Sobre o autor

Publicou 12 livros, entre os quais “Sapo C/ Arroz” (poesias/1979); “Emboscadas & Labirintos” (Contos/1995); “Alguns Aspectos da MPB” (Ensaios/2008); “O Guitarrista Victor Biglione & A MPB” (Perfil/2009) e “A Letra & A Poesia na MPB: Semelhanças & Diferenças” (Ensaio/2019). Pesquisador musical trabalhou para PUC-Rio, UNI-Rio, UERJ, UFRJ, Biblioteca Nacional, Instituto Antônio Houaiss, CNPq, FINEP, EMI-ODEON e Dicionário Cravo Albin da MPB. Foi curador de projetos musicais, tais como “Quintas no BNDES” e “Novo Canto”. A partir de 1978 atuou como produtor de discos. Participou de seis CDS e um DVD de parceiros. Em 2012 lançou o CD “Quintal Brasil: Poemas, Letras & Convidados” com 17 faixas interpretadas por parceiros e cantoras (es), declamando oito poemas. Em 2022 lançou o CD “Perfil: Poemas, Letras & Convidados”, no qual foram gravadas, por parceiros e intérpretes, 17 faixas e declamou dois poemas. Letrista com cerca de 90 composições registradas por Anna Pessoa, Luiz Melodia, Mário Bróder e Pecê Ribeiro, entre outros. Dos seus quase 50 parceiros constam Amarildo Silva, Cacaso, Carlos Dafé, Claudio Latini, César Nascimento, Eliane Faria, Elza Maria, Ivan Wrigg, Joel Nascimento, Marko Andrade, Reizilan Cartola Neto, Renato Piau, Reppolho, Rildo Hora, Rubens Cardoso, Victor Biglione e Xico Chaves. Saiba mais em dicionariompb.com.br e wikipedia.org/wiki/Euclides_Amaral.

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