Nas Baixadas da Vida



*Por Geraldo Garcez Condé

História da Baixada Fluminense
Ninguém nasce e vive na Baixada impunemente. No momento em que se presencia um surto de desenvolvimento econômico na Baixada, principalmente em Caxias, e se constatam várias mudanças nas condições socioculturais da região, nós, os nativos com mais de vinte anos, ficamos pensando nas nossas experiências de vida nessas paragens. Quem nasceu ou mora na Baixada sabe, por experiência, sem apoio de estatísticas, que as suas espectativas de passar pelas várias fases da vida com alguma dignidade, de recém-nascido a idoso, sempre estiveram no rodapé de qualquer gráfico.

Nascer era o máximo que muitos conseguiam nessa escala. Passar pela infância e chegar à adolescência com um mínimo de saúde, educação e informação podia ser considerada obra do acaso, para não falar em sorte. Enquanto brincávamos na lama, pescávamos "barrigudinhos" nas valas negras e convivíamos com "presuntos" não pensávamos como as míseras quatro horas de aula no "turno da fome" (das 11 às 15h), de certa forma, nos condenava a reproduzir aquela situação ao infinito. Escapar era muito difícil.

Para ir um pouquinho além, era e ainda é, em muitos casos, preciso cruzar o rio Pavuna ou o rio Meriti e, a poucos quilômetros dali, na cidade do Rio de Janeiro, buscar assistência médica, educação, cultura e principalmente trabalho. Para muitos, seus municípios serviam apenas para dormir. Quem nunca ouviu dizer que a Baixada era formada por cidades-dormitório?

Para muitos, essa incursão pela "Cidade" vinha acompanhada de um choque cultural. Descobria-se, às vezes, que existia um outro mundo. Da mesma forma, experimentava-se a sensação de, em alguns ambientes, ser tratado como exótico, estrangeiro, um alienígena. Sabe muito bem disso quem já ouviu a pergunta espantada seguida da reveladora constatação:

- Você é da Baixada? Puxa, nem parece...


A admiração não deve ser diferente quando um site como o Baixadafacil é acessado. A Internet na Baixada é um fenômeno cultural que ainda precisa ser pensado com profundidade pelos pesquisadores. Ela assinala que já vai longe o tempo em que o tubo da TV preto e branco, a tela do cinema de cadeiras sem estofamento e o sanguinolento jornal de domingo eram os únicos canais de contato com outros mundos para aqueles que achavam que havia algo no ar além das nuvens infernais de mosquitos.

Toda essa experiência deglutida volta refinada no mundo das redes digitais, num processo de antropofagia cultural: devorar o outro para absorver suas qualidades e poderes. É assim, antropofagicamente, que hoje a Baixada pode falar para o mundo.



* Geraldo Garcez Condé é jornalista, formado pela UERJ, mestrado em Comunicação e doutorado em Ciências Sociais. Tem larga experiência na área de Comunicação, atuando principalmente nos seguintes temas: Teoria da Comunicação, Teoria do Jornalismo, Jornalismo Cultural, Sociologia da Arte e Metodologia de Pesquisa.