Colunistas | Crônica do poeta | 03 de janeiro de 2011 - 21:28

LUCIDEZ?

Marlos Degani
O fato de poder escrever em qualquer lugar, por conta do registro de jornalista-colaborador (mais uma vez obrigado Eduardo Ribeiro, irmão), não muda a realidade de que ninguém ousaria (exceto o Eduardo, maluco de pedra) ceder um espaço a um sujeito feito este que agora detém um pedacinho da sua atenção que, por mais breve que seja, sempre será benvinda e lisonjeira. Mas por quê?

Bem, há muito tempo tenho matutado sobre a lucidez: é bom ser lúcido? É ruim? O que é ser lúcido? Não tenho respostas para essas perguntas. E acho pouco provável que alguém as tenha. Observo uma certa tendência a considerar que a lucidez é algo positivo. Pode ser. Mas, feito tudo nesta vida, há um preço a ser cobrado. E, creiam, não é barato, porque o limite entre a lucidez e o delírio é bem tênue e todo cuidado é pouco. Outro risco iminente é o de confundir a lucidez com impaciência e/ou a intolerância e, estas, com a prática de julgamentos precipitados das pessoas e de situações ainda desconhecidas. Além disso tudo, ser lúcido pode significar uma exposição arriscadíssima ao contágio da SqSIRA (sigla de Síndrome da Rabugentice Adquirida), uma doença incurável que apenas pode ser amenizada e com o seguinte tratamento: a solidão.

Sofro de SqSIRA crônica. Apesar de cada infectado apresentar um conjunto diferente de sintomas e desenvolverem a doença de maneira peculiar, algumas características dos rabugentos-positivos são comuns: odeiam filas de supermercados porque emitem um odor somente detectável pelos caixas que, quando sentem aquele cheiro meio amadeirado meio envelhecido, logo acendem aquela luzinha e mandam alguém tirar a dúvida sobre um preço ou resolvem, sem dó nem piedade, fazer os repasses de numerário aos seus supervisores coniventes, geralmente acompanhados de sarcásticos sorrisinhos laterais; odeiam Ano Novo porque sabem que o nosso calendário é mentiroso e ninguém tem certeza de nada, ninguém sabe ao certo de nada e têm, ainda, a nítida impressão de fazerem parte daquele montão de babacas que se entopem de álcool, ouvem aquelas músicas horrorosas, soltam fogos para todos os lados (inclusive bem perto de seus ouvidos) e como bônus track ainda ofertam um abraço suado, derramam bebida na sua roupa novinha, noves fora a chuva de cuspe quando engendram as felicitações tradicionais de final de ano (sem falar na falsa meia-noite deste inescrupuloso horário de verão brasileiro); Natal é outra coisa problemática para os rabugentos-positivos porque desconfiam se Jesus nasceu mesmo naquele mês, naquele dia e, em alguns casos mais adiantados, se Jesus nasceu de fato; aniversário de criança é algo que os rabugentos-positivos têm ojeriza absoluta e, mesmo em casos de aparentados, é desaconselhável até mesmo o convite; têm repulsão asseverada e veemente por qualquer tipo de excursão ou passeio em grupo, porque simplesmente não se imaginam acordando às 3h30min para pegar um ônibus caindo aos pedaços que vai sair as 5h00 em ponto, agüentar aquela molecada animada que vai enchendo a cara logo de manhã antes de chegar ao destino, batucando no teto, mexendo com os transeuntes com aquelas piadinhas de péssimo gosto e, apoteose, testemunhar um monte de abestalhados descendo do tal coletivo com aquelas vasilhas cheias de maionese, farofa, arroz, carne, carvão, tijolo, prato de plástico, pano de prato com estampa de cesta de frutas, isopores (mais surrados do que o ônibus) lotados de cerveja e de refrigerantes Poppy’s Cola, Dell Laranja e Tybb’s Guaraná. E assumem a praia gritando: — É nóis, é nóis... Aha uhu a praia é nossa...Aha uhu geral é nosso... Aha uhu...

Brrrrrrrrrrrrrrrrrrr....