TRABALHAR NA TERCEIRA IDADE
(De um comentário que fiz na página do Fantástico, da Rede Globo de Televisão, sobre a malícia de uma reportagem no Fantástico)
Dona Rute ama o que faz, não precisa mais dos resultados econômicos do seu trabalho para viver e o seu trabalho não demanda esforços físicos nem estresse constante. Acima de tudo, ela é aposentada faz muito tempo, por algum sistema previdenciário. Recebe os proventos de um longo tempo de contribuição e, se quisesse, não assinaria mais nenhum contrato com editora. Tem o privilégio (sem nenhum questionamento sobre seus méritos) de optar pela continuação do seu trabalho.
A abordagem da Rede Globo de Televisão e de qualquer outro veículo televisivo, de rádio e outras mídias de massa sobre o trabalho depois da aposentadoria é completamente perverso. Direciona seus holofotes para um pensamento equivocado sobre o cidadão não se aposentar depois das décadas de contribuição previdenciária e continuar trabalhando; contribuindo com a previdência, sem fazer questão do seu direito à aposentadoria. Tais reportagens fazem apologias à mão-de-obra do idoso, não por escolha, brio nem por amor ao que faz, e sim, pela necessidade; para "não pesar nos ombros da pobre da previdência nem do pobre poder público". A imprensa vem contribuindo com o discurso político de que os aposentados absolutos são os responsáveis pela falência do INSS, por exemplo.
Não há como comparar uma escritora com uma empregada doméstica no desgaste físico, emocional e de saúde, após trinta anos ou mais de trabalho. Nem o político com um pedreiro, que gostaria de utilizar seus últimos anos de trabalho repousando justíssimamente junto à família. Não que o político não se estresse, mas depois de poucos anos ele não precisa, em absoluto, trabalhar; é puramente uma escolha; que passa pela ganância, a vaidade ou a vocação, mesmo, em alguns casos... bem esporádicos; diga-se de passagem.
Trabalhar depois da aposentadoria (não confundir com continuar trabalhando sem se aposentar) só é digno se o cidadão escolhe fazê-lo, sem nenhuma emergência. Opta por isto, sem necessidade alguma de complementação salarial. Quer seguir trabalhando, porque seu trabalho satisfaz, realiza e não exige do aposentado sacrifícios físicos, mentais nem de outra natureza, desnecessariamente.
As emissoras de tevê e outras grandes mídias precisam abordar esse tema de formas mais humanas, realistas e sem romantismo em todas as situações do tema. Quem trabalha como professor, correndo diariamente de uma escola para outra, para ganhar o necessário; quem faz faxina em casa de madame e jamais ganha o necessário... quem trabalha na coleta do lixo; como servente de pedreiro; pedreiro; agricultor (da roça alheia) e outras profissões extenuantes de remuneração menor, quer aposentadoria justa, para gozar minimamente a vida nos anos restantes, que não são muitos.
Ainda espero pela reportagem sensata da Rede Globo e de outras grandes empresas de mídia, sobre o tema, com essa abordagem digna e que mostre a importância de aposentadorias justas para todos os trabalhadores. Aposentadorias que lhes deem a prerrogativa da escolha; não da necessidade de continuar trabalhando. Compartilho este comentário em meus perfis de redes sociais, para contribuir com o tema de forma digna, junto aos meus poucos leitores. As grandes mídias continuam devedoras.
Demétrio Sena - Magé
(Arte educador que continua em exercício, porque perdeu grande parcela dos proventos na recente aposentadoria, mas que gostaria de não precisar seguir trabalhando - como empregado do sistema).