SOBRE UM CARO CARA
Demétrio Sena - Magé
O Nilceu Bastos (foto) é uma pessoa marcante, para mim. Não apenas por ser uma das pessoas mais dignas que eu conheço ou pela sua elegância notória no trato com o semelhante. Quando eu ainda praticava uma religião e maioria das pessoas ao meu redor só atentavam para o quanto eu parecia um delinquente, o Nilceu se aproximou; me deu atenção. Descobriu meus cadernos de poesias e fez bem à minha auto estima, o seu interesse em vasculhá-los constantemente. Eu era um menino que dormia ora na igreja, ora na redação do jornal Alvorada, onde ganhava uns trocados para publicar meus escritos e, como já disse várias vezes, fui um dos acolhidos do ZD, pastor Zózimo Duval, sobre quem já escrevi muitos textos.
Ainda não é isso. Como menino de poucas esperanças, alvo de muitos preconceitos, o que mais me animou naquela época foi conhecer pessoalmente um dos primeiros negros universitários da sociedade racista brasileira. Era ele; o Nilceu. Passou no vestibular da UFRJ e cursava Química. Em uma parte do dia trabalhava como peão, na construção civil. Em outra, estudava. Sempre teve um sorriso largo e digno, e sempre foi incapaz de um grosseria, embora tivesse uma expressão dura e grave, quando não gostava de algo. Além de peão, trabalhou como marinheiro mercantil, porteiro de escola, vendedor de cosméticos, e sempre com aquela mesma elegância de um membro da nobreza. Parecia (e parece) um Nelson Mandela para chamarmos de nosso.
Fiquei muitos anos sem contato com o Nilceu, e na verdade, nem éramos tão próximos; estar com ele sempre foi muito agradável, mas era (e é) também pontual. Nilceu nem imagina, pelo menos até o momento, que eu tenha essas lembranças relacionadas a ele. Quando voltamos a ter algum contato, ele estava prestes a se aposentar pela Casa da Moeda, creio que já se aposentou, e parece que hoje mora na reagião dos lagos. Outra boa surpresa (tenho tido surpresas ruins com outras pessoas), foi saber que atualmente o Nilceu, sempre fiel à Igreja Batista, é um pastor eleitor de esquerda, que separa sua liderança religiosa da preferência político-partidária. Pudera. Alguém com a sua história de vida não seria diferente.
Minha proximidade da velhice institucional, porque a de fato já chegou (farei 65 anos em abril próximo) tem trazido à memória pessoas e ocorrências que um dia me fizeram olhar o mundo com bons olhos. Foram muitas, as pessoas e ocorrências. Eu não teria sobrevivido sem isso. Fui das ruas, das acolhidas generosas e das compreensões inesperadas em meio às maldades das quais esqueci muitas, porque a bondade faz mais efeito em mim. A boa fé e os bons exemplos sempre me marcaram mais do que as dores e angústias vivenciadas ao longo da vida.
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A foto, "surrupiei" de seu perfil em rede social e digitalizei. Acho que ele não vai brigar.